sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Chegada

                                       

          Chegada...*                                                                




Hoje visitei o meu quintal e avistei uma flôr sorrindo.Ou melhor, todas sorriam pra mim. O cravo, em especial, foi o único que me beijou; o crisântemo, acanhado, escondeu-se atrás do limoeiro, que mesmo macambúzio me incentivava. O jasmim me disse: - quem tem padrinho não morre pagão, seiva. E o pessegueiro? Ah, meu pessegueiro... Adornou-se todinho só pra mim.





Com uma pancada de vento a amoreira acolchoou a terra com a cor mais intensa que já vi. Os sininhos tocaram músicas e os pássaros voaram a revelia, entoando um eufórico cântico.






Meu quintal, no verão, se bronzeia, dá bom dia para o astro rei e louva a chegada da lua.




No outono se cobre com um manto leve, nutrindo e serenando a terra. No inverno protege-se para abrolhar a seguir. E quando chegam à primavera, quantas cores perfumadas... Nos galhos, tantas camas com pares se amando.


Hoje visitei o meu quintal, tomei banho de chuva, sequei-me ao sol que, radiante, admirava a lua ao meio dia.


Hoje chegaste, primavera. Tu és bela e eu estava a tua espera.



SUA
.
Seus olhos de menino me encantam
Faça-me menina
Suas brincadeiras me ruborizam
Inflama-me
Seu sorriso insano me seduz
Torna-me sua
Suas mãos fortes me transportam
Leva-me
Ao melhor lugar do mundo
Ao paraíso
Onde só há
Lugar pra nós dois
Esgote o que te pertence



*
Redundante
*
Se hoje fosse falar de você
Falaria do falo que me vale
Se hoje fosse falar de você
Falaria do beijo que me cala
Se hoje fosse falar de você
Falaria do suor que me lava
Se hoje fosse falar de você
Falaria do amor que me cabe

Mas hoje não vou falar de você
porque palavras não penetram pele
Hoje não vou falar de você
porque o que sinto supre e sacia
Hoje não vou falar de você
porque segredo não se revela
Hoje não vou falar de você
que fale por nós a poesia



quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Negação






Negação
.
Em pregos o leito improvisou

Se terra fosse
eu seria sertão
como fogo arderia cercas
aguando seria cheias
em lagoas coaxar
peçonha no bambuzal
na horta daninha


No céu o negrume
um anjo vermelho
arrebatando almas
freira de espartilho
procurando aliança

Louca querendo adormecer



foto: Johann Heinrich


sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Fotografia


Foto: Marcelo Justos
                            Fotografia
.
Morava numa casa de três cômodos, bem humilde. Com um jardim imenso, colorido que só vendo, com lindas flores, a cada qualidade que desabrochava eu dava nome de pessoas que eu gostava.
Gravava na memória o cheiro e a forma. Havia uma árvore imensa, frondosa onde ao cair da tarde eu ficava tomando a fresca, os pássaros aninhavam-se em seus galhos, lá vinham pardais, andorinhas, periquitos, maritacas, sábias e bem-te-vis e com eles aprendi o canto, as notas musicais e tons de cada um. Sentada a sua sombra, observava carros em alta velocidade, com eles aprendi a identificar cores e marcas.


E a comida da D. Dália, minha mãe, que aroma que delicia, sempre comi primeiro com os olhos, sendo assim ela coloria e enfeitava bastante o meu prato. Meu pai era soverteiro e sobremesa nunca faltava, ele era lindo cheirava limão e a minha mãe a alfazema, Como eu era feliz.

Tinha um desejo distinto, tocar piano, mais os recursos dos meus pais não eram suficientes para duas filhas aprender musica. A minha irmã estudava violão, ela era a mais velha, mas eles asseguraram-me que assim que ela completasse um ano de estudos musicais seria a minha vez... Que alegria eu senti por isso.

Chegou o dia do conserto musical, um ano de curso. Nossa, eu nunca tinha entrado em um teatro, como era lindo, a entrada parecia um palácio, as luminárias, diamantes pendurados e colados um a um, o tapete, vermelho como o batom da minha vizinha, vermelho Ferrari, ainda cheirava a cola...
Começou o concerto, eu chorava de emoção, quando minha irmã entrou no palco, eu gritei o nome dela de orgulho, era o meu sangue, (o meu piano), ela estava linda como uma rosa menina, branquinha como um copo de leite. Identifiquei cada nota musical, cada tom, até um erro do violinista eu percebi, eu havia aprendido direitinho com os pássaros.
Queria que nunca tivesse acabado aquele concerto... Tenho na memória cada momento vivido, únicos de minha infância, Pena que acabou hoje uso todas as lembranças como referencias, no meu dia a dia.

Aquela casa não existe mais. Daquele jardim restaram-me crias do jasmim e da primavera. Continuo a ouvir os pássaros, ouço musica o dia inteiro e toco meu piano. Hoje tenho a Magnólia que cozinha para mim e um sorveteiro que não cheira limão, mas passa todos os dias na rua em que moro.
Minha irmã me visita todos os dias ela cheira rosa menina. O dia do concerto foi a ultima vez que vi o meu limão, a minha dália e minha rosa menina. Só, agora sinto cheiros, apenas.

Eu nunca vi um arco-íris, e sei como é lindo. TV colorida? Eu lembro que meu pai comprou papel celofane degrade e colou na tela, eram muito feias as imagens, sei que as crianças de hoje vêem coisas lindas na tela, vê e ouve tudo o que eu vi e ouvi na minha infância, mas nunca darão o mesmo valor.

É muito bom ter memória fotográfica, mantém um mundo colorido. Agradeço por não ter visto os anjos levando a minha família da porta daquele teatro.
A última coisa que vi nessa vida foi um veículo que não pude saber a marca, amarelo canário desgovernado, conduzido por alguém que não tinha gosto e amor  invadindo a calçada.

RITUS

                                                





Ritus
.
Hoje quero
Vermelho
Quente

Quero pulsante, febrilante.

Coma, beba, sacie-se
Após isso descanse 
Logo o sol nascerá, estarei aqui
Velando o seu sono

O calor da fogueira o aquecerá
Eu lhe darei o fogo que arde
Nada escapará no seu corpo
Taparei todos os poros e orifícios
Iremos ao êxtase 

Hoje quero,
Alma
Sabedoria
Valentia
Conhecimento

Amanhã, cinzas.






segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ás Madalenas
.
Quando vivi nessa terra fui apedrejada,
ignorada e menosprezada
Fui meramente um número,
um ser qualquer,
Chorei de dor, fome e expiação.
Consortes eram paparicadas, enaltecidas
Eram o umbigo do mundo
Mulheres moldadas e educadas
para serem musas ou mudas?

Hoje daqui de onde estou, vejo que nada mudou
E se viva estivesse eu
Doer-me-ia o queixo de tanto rir
Fitando a face lameada do orgulho de tal nobre sociedade

Ainda me chamam de perdida
Como se em corpo ainda vivesse
E as damas da sociedade?
Com um filho de cada homem
Essas são exaltadas
Até pela igreja que me condena

E continuo sendo apedrejada
Até quando me chamam santa.

domingo, 30 de agosto de 2009

Revulsão


foto de 4you


                                                      Revulsão


A minha partida será numa segunda-feira. Só assim saberão que estarei partindo feliz. Quero partir sozinha, não quero companhia. Se chorarem, chorem apenas por mim. Exijo exclusividade nessa hora. Depois de um fim de semana, todos estarão descansados da labuta. E será mais leve a espera do amanhecer. Sim, será mais leve.

Digo-vos que estarei indo de bem com a vida. Feliz, com meu amor, filhos, pais, irmãos, amigos. Até com aqueles das gritantes desavenças. Mas sei, que lá aonde irei, verei com outros olhos tais diferenças.

Não é uma despedida, tão pouco adeus, sim, um até breve, supostamente todos iremos para o mesmo lugar. Eu não sei, só saberei quando chegar. Não vos poderei avisar.

Desde já digo que estou muito feliz. Peço que não chorem por mim: quero risos, músicas e união entre meus amores. E amo todos que um dia me fizeram rir, chorar, amar, ajudaram-me a compreender, aceitar-me como sou, certa ou errada, mas com amor no coração.

Faço assim, confesso... Pânico é phoda! O coração quase salta pela boca, parece uma britadeira no tutano, mas vai passar, assim que estiver em terra firme.

sábado, 29 de agosto de 2009

sábado, 22 de agosto de 2009

Gritos


foto: Marta Ferreira
Gritos
.
Se hoje,
as lágrimas
jorram
é porque
meu coração
rompeu
as barreiras
que retinham
há décadas
um grito
meu.

sábado, 15 de agosto de 2009

Tarefa

foto: João Cigano
TAREFA

Ver além do que se vê
com olhos próprios de ver
seria missão
se antes não fosse tarefa
Dessas terefas de se aprender
Sem ruídos
sem alardes
ou grandes toques
Ver além do que se vê
É estar acima da forma
É estar acima da norma
dessas particulares
formas e normas
Que não sabemos do porque a causa
mas as cumprimos ilustres e inocentes
Olhar além do que os olhos olham
È descobrir que o belo
Já dito e ilustrado
È ainda tarefa a se aprender

Frio

Frio
Venha morte!
Em dia de calor
Pois não suportaria
O gélido sopro seu...

Lume

foto: Sávio de Lima Ivo

LUME
Candeeiro
na janela
iluminando
Mesmo roto
dilacerado
aguardo
Um cheiro
um beijo
um afago
Antes que
meus olhos
cerrem
E apague
a luz

terça-feira, 28 de julho de 2009

Alma Lavada



ALMA LAVADA

Almejo um aguaceiro
Para lavar a alma
Que venha como avalanche
Para levar de mim
O que me impede
De ver o esplendor
Sonhado pelos poetas
Que venha com fúria
E abale as almas
Que habitam em mim
A alma da menina
A alma da mulher
A alma da mãe
A alma da alma
Que seja tempestade de verão
Que quando passa
Deixa marcas
Purificando a terra
Para uma nova estação
CELIA R. DOMINGOS